Toda essa questão sobre a memória me faz crer que um homem jamais deve viver sem seus castelos, e me deixa, assim, em algum tipo de paz interna com minha quimera. Enquanto tomava mais um gole de café na cozinha, minha mão se desvinculava da caneca rubra e esbarrava no power de algum televisor. No equívoco, fui recebido pela fábula triste (entretanto fantasiada com aspas felizes e músicas agitadas) de algumas garotas de um núcleo elitizado da capital do Rio de Janeiro. A apresentadora as acompanhava a um banho de loja e as pobres garotas (de nove a onze anos) esbanjavam preocupações sobre linhas de seda ou o caimento de t-shirts de algodão, com um timbre moderno que deixaria Yves Saint-Lourant inquieto.

Não consegui acompanhar muito mais daquilo. Não apenas por ser alguma espécie de bruto machista ou coisa que valha, mas por pura questão de pena: o que será da felicidade dessas meninas no futuro, que tipo de pessoas serão? As cabeças vinculadas a valores de capital utilitários, as preocupações com o puramente concreto, com o que é visto sem ser observado. Imannuel Kant, por mais chato que fosse, já deixava claro a diferença entre o real e a compreensão do real, onde, imagino, se manifesta o lúdico, a fantasia. Fantasia essa proveniente não só de um conjuntinho fashion, mas de peças de montar, videogames 8-bit, livros, miniaturas, bonecos e bonecas e arlequins saltitantes, cachorrinhos de madeira empurrados por engenhocas de molas e fios, tudo aquilo que incitou nossa infância e nos remete a nossas primaveras e que, finalmente, nos possibilita driblar as dificuldades do puramente concreto.

Não incito nínguem aqui a alienação, mas gostaria de pensar que possamos ter um apreensão mais ampla do que nos cerca e de nossa própria imagem através de um pensamento disposto à criatividade lúdica e à curiosidade, ministrado por estes professores de armaduras negras, chapéus de asa de corvo e metais imantados.

“Rolling Stones – You Can’t Always Get What You Want”